quarta-feira, 15 de junho de 2011

O sapo e o barquinho


A ideia surgiu mais tarde – pegar o barquinho de papel e descer o rio. Já não suportava mais as noites solitárias. Nas horas de insônia via-se o quanto os coaxos eram melancólicos. Mas por enquanto era impossível pegar o barquinho (Estava em cima da cômoda do quarto do menino, eu não disse logo no início? Ôps, esqueci!).
Quase uma semana depois fez um belo dia de sol. O barquinho caminhou sobre a superfície das águas tão seguro como se caminha de quatro patas, argumentava em pensamentos o sapo.  Imaginou os altos papos, isto é, as conversas sobre saltos e nados em noites de luar.
_ E como foi que o sapo pegou o barquinho?_ Perguntou um dos alunos, preso na história.
_Ora, o menino o esqueceu na beira do rio quando foi jogar bola...
_ Mas, _Recomeçou a professora com uns olhinhos negros redondos acolchoando as palavras na sala de aula _ eu imagino que o sapo teve um cuidado enorme para o barquinho não virar! Nos primeiros metros, ele colocava uma das patas na água, como que para se equilibrar melhor. Ah, depois ele sentiu firmeza e deixou o barco no curso do rio...
_Ué! Que aconteceu então?
_ O barquinho andou por uma hora sem grandes imprevistos, porque as margens eram de plantas rasteiras e, quando ao fim desse percurso começaram a surgir galhos de árvores, o barco parou. Chegou então o sapo a um lugar mais afastado da zona urbana e onde havia riachos e lagos ligados ao rio (A professora fez uma pausa bem medida e continuou)... Foi assim que o barreiro perto lá de casa ficou cheio de sapos.
Não se sabe se a professora inventou esta história, o certo é que ela conseguiu a atenção de todos e, era quase perto do recreio...                             

terça-feira, 14 de junho de 2011

O gato e o pintinho

            O gato costumava ficar deitado perto do fogão à lenha, principalmente nos dias de chuva. Era do tipo preguiçoso, em que continuamente era visto descansando. “Este gato só quer sombra e água fresca”, dizia sempre o dono da casa.
            E desse jeito foi naquela manhã de abril, quando o galinheiro ficou todo alagado após uma forte chuva e ventania. Ora, a galinha branca entusiasmada com o tamanho da nova ninhada, deixara um pintinho escapar das asas e, o pequeno animal ficara todo molhado!
            O gato de barriga cheia e preferindo um sossego, estava na cozinha como de costume. É fácil imaginá-lo contemplando ocioso o pintinho. Mais ainda o miado curto quando viu o filho mais velho da casa envolver o infeliz com um pano seco e limpinho: “Miau!”
            O pequeno filhote fez: “piu”, tão baixinho que o gato levantou a cabeça e num giro de 90° para a direita, seus olhos verdes encontraram outros dois olhinhos assustados. Angustiado com a perspectiva de sentir frio, o bichano ficou pensativo e acuado. 
             Logo que o pintinho deixou de tremer, foi colocado no chão. E quanto tempo levou para o gato botar os pelos para aquecer-lhe as penas?  Uns segundos. Foi com espanto que o dono da casa viu que o gato possuía uma grande dose de solidariedade.
            E como era hora do café, um pedaço de cuscuz foi dado ao pintinho e, para o gato, um pires de leite bem quentinho.     

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Maturidade

Pelas férias eu o conheci, sotaque carioca, roupas de jovem e um gosto por sorvete. Não deveria tê-lo encontrado naquela tarde de calor. Eu era capaz de sentir-lhe os olhos em mim como uma criatura rara e fácil de aproximar. Houve um primeiro olhar entre o sorvete de goiaba e o sorriso aberto. Eu me apoiei nisso por não gostar de falar.

E em meio aos sabores da tarde se indo, ele se aproximou e veio de vez. Estava certo de tudo. Meus olhos o buscavam. Não descrevo em palavras as feições dele. Era um homem de estatura alta, magro, bonito e simpático. No queixo trazia uma barba de Lula e se dizia professor de Filosofia. As mãos dele ficaram tão bem acomodadas nas minhas que os presentes até se esqueceram momentaneamente das delícias da rua e nos olharam.

Não tardou muito eu conversava tão despreocupada de minhas convicções de pudor que ele encontrou todas as facilidades para me levar a um banco de praça. As mãos em meu corpo. É certo que eu quis e desejei sentir aquela boca em meus seios. Declaro. De que me queixo? Muda-se, assim de repente, de virgem para mulher? Queria, acaso, ser lembrada no dia seguinte como alguém especial? Lembro-me dos beijos e das palavras carinhosas. Mas a sensação de ser tocada pela primeira vez guardo para meu diário.

Estou livre de um exame de consciência. É isto que a maturidade faz com as pessoas. Não dá para desistir de seguir, mas continuar. E o dia alvoreceu depois do acontecido. E vai continuar alvorecendo. A todas as perguntas que me faço, encontro a expressão de uma mulher... E fico sossegada.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Uma flor para a professora


Afinal, o dia amanheceu! Mas não havia muito tempo para pensar no assunto, pois a mãe do menino chamava para o café da manhã. Parecia adivinhar que ele estava muito ansioso para conhecer a professora.
Primeiro dia de aula! A alegria de rever os colegas o ia levando a uma febre de sorrisos. E o fato de correr para o jardim antes do desjejum, a mãe não podia entender.
_ O que você faz aqui, meu filho? _ perguntou.
_ Estou pegando uma flor para minha nova professora, mamãe _ disse ele _ elas adoram ganhar flores e hoje é o primeiro dia de aula.
Nunca essas suaves palavras lhe soaram mais suaves do que até então.  Tinham a beleza da manhã recebendo o sol. E ela ficou a contemplar o menino segurando as flores, de encontro ao peito, como se dissesse: “A minha professora vai ser a mais bela!”... E a mãe não teve medo de dividir o filho com a professora... Não tinha não

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Lembrança


É bom lembrar-me de ti, diferente de outros amores. Outro sorriso. Outras palavras. E um outro peito. Encostado a ele, quero ganhar mãos caminhando em minha pele, mansamente, descobrindo meus prazeres. Algum dia destes, eu baterei em tua porta: ”Tum, tum, tum...” E ouvirei o arrastar de teus chinelos no quarto.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Caçadas


Seu Chico é amigo de um tio-avô meu e, se me lembro bem, sempre fora de contar causos tanto houvesse ocasião.
Na penúltima sexta-feira do ano de 2010, tive de ir com minha avó visitar o citado parente, que estava com uma virose e como já tinha idade avançada, estava deixando a família preocupada. Passamos lá umas duas noites, tempo suficiente para se saber de tudo da fazenda, inclusive dos novos causos de seu Chico.
Por volta de umas 17h, ele chegou. Sentou num tamborete, perguntou a meu tio se podia acender um cigarro, e tendo sido negado, ficou calado por uns minutos assuntando de nossa conversa sobre os destinos dos parentes. Minutos após, não se conteve e puxou esta história de um primo dele.
Contou que um filho de sua irmã mais velha tinha ido caçar no meio da caatinga. Era pelo mês de novembro e só havia uns mandacarus e uns pés de ameixa sem folhas. Então, o primo resolvera ir para as bandas de um antigo riacho nos terrenos de Seu Doca Fortes.
_E num é que havia uma faveira ainda com as favas? “Pois sim senhor! Aqui deve de ter bicho de noite”, ele pensou e subiu pro alto do pé.
Assim se passaram as horas. Veio uma coruja e piou.
_O primo se assurtou e caiu de uns quatro metros de altura, se estatelando no chão! _
Minha mãe gritou; “Ai, meu Deus!” e seu Chico se endireitou na cadeira para dar um ar de quem conta algo verídico e de muito sofrimento.
_ E daí, Chico, como acharam teu primo? _ Falou ansioso o irmão de vovó.
_ O homem passou a noite lá morrendo de dor e frio e só foi encontrado ‘proque’ tinha bala na arma dele. Quando ouviu o cachorro latindo deu um tiro pro alto...
_Cachorro? Que cachorro, Chico? Tu tá aumentando a história_, comentou um dos caboclos da fazenda.
_Eu num falei que ele tinha levado o cachorro dele? Pois o ‘bichim’ passou a noite velando o dono e de manhã foi pedir ajuda. Cachorro assim é que é ‘bom de se’ ter para ‘cumpanheiro’ de caça.
Minha avó quis dizer algo, mas se conteve. Notei pelo modo de ela levantar arrumando a saia do vestido. Contudo, apenas perguntou como o homem estava e se tinha sido sério a queda.
Num tom de quem não sabe se agradou a conversa, seu Chico falou que o primo quebrara uma perna, mas que já fora atendido num hospital da capital do estado.
Depois dessa, a noite correu sem grandes causos...

Um caso de línguas


A mulher cuidava de varrer o chão da varanda. O carteiro entregava  cartões de Natal. Ela o recebeu com um sorriso feliz, com vapores nos olhos e palavras vivas de cumprimento.
A manhã inteira cuidando do portão, com medo de ser esquecida. O envelope entre as mãos ansiosas e o som dos passos na casa. Não há nuvens escuras no céu que não seja de prenúncio de chuva. E um aroma quente das rosas no jardim contíguo ao quarto.
Há um silêncio de agasalhar a alma nos gestos. Todo o corpo quer absorver o conteúdo do cartão de Natal. Uma ansiedade lhe brota no peito, flutuante e envolvente, como se deseja um carinho depois do ato de amor. Então, pousa o envelope na cama. Abre um bauzinho, com o cuidado de sempre, não diz nada e mergulha em pensamentos – “Um dia ainda aprenderei a falar inglês!”